“A carne mais barata do mercado é a carne negra” é o refrão que Elza Soares canta em A Carne, composta por Seu Jorge, Ulisses Cappelletti e Marcelo Yuka. Essa canção se faz presente no impactante documentário Auto de Resistência, dirigido por Natasha Neri e Lula Carvalho. O filme relata com precisão diversos casos de homicídios cometidos pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. Os casos em questão são classificados como “autos de resistência”, ou seja, legítima defesa. A câmera de Neri e Carvalho acompanha a tramitação na justiça dessas ocorrências. No entanto, além da dor de perder um filho de forma violenta e estúpida, as mães e os familiares desses jovens enfrentam uma nova e dolorosa morte: a da reputação de seus meninos, de seus sonhos, de suas vidas. “Vidas negras importam”. Diz a frase importada dos Estados Unidos, mas que se encaixa à realidade do Brasil, onde a esmagadora maioria dessas mortes é infligida à população de cor negra. “Negro drama, cabelo crespo e a pele escura. A ferida, a chaga à procura da cura”, diz Mano Brown na canção Negro Drama, de sua autoria com Edivaldo Pereira Alves. Essa truculência policial é o resultado de um estado completamente alheio ao cumprimento dos itens básicos de qualquer governo. O letreiro final alerta que ao longo dos últimos 20 anos, cerca de 16.000 pessoas foram mortas com a alegação de “resistência seguida de morte” e que 98% dos inquéritos foram arquivados. Números que se referem apenas ao estado do Rio de Janeiro. E haja denúncias, protestos, processos, julgamentos e CPIs que, infelizmente, não fazem valer a necessária justiça. Os versos cantados por Elza Soares, é triste constatar, permanecem verdadeiros.
AUTO DE RESISTÊNCIA (Brasil 2019). Direção: Natasha Neri e Lula Carvalho. Documentário. Duração: 104 minutos. Distribuição: Amazon Prime.