Existem três preconceitos que costumam rondar o cinema. O primeiro tem relação com filmes em preto e branco. O segundo rejeita as animações. O terceiro acha que qualquer trama inspirada em histórias-em-quadrinhos é filme de super-herói. Costumam dizer, sem propriedade alguma, que um é ultrapassado e os outros dois são coisa de criança. Bem, Persépolis, dirigido por Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, derruba sozinho essas bobagens. É uma animação em preto e branco moderníssima, baseada em uma HQ sem super-heróis e que não foi feita para crianças. A maioria das pessoas simplesmente desconhece a diversidade narrativa dos gibis que servem para contar dramas humanos e históricos de grande impacto. E quando a inspiração vem da própria vida do autor, ou melhor, autora, como é o caso aqui, o caráter pessoal reforça ainda mais a dramaticidade dos eventos narrados. Este é o caso de Persépolis, criada inicialmente como HQ, no ano 2000, pela iraniana radicada na França Marjane Satrapi. A adaptação para o cinema veio sete anos depois, feita pelo diretor Vincent Paronnaud, junto com a própria autora, também responsáveis pelo roteiro. Com criatividade, bom humor e muita sensibilidade, Satrapi e Paronnaud fazem a transição da HQ para o cinema mantendo a essência e a graça da obra original. Não há embromação aqui. Os diretores mostram o que precisa ser mostrado, utilizando uma linguagem sofisticada e adulta. Acompanhamos o relato autobiográfico de Satrapi começando em sua infância, quando o Irã estava sob o comando do Xá Reza Pahlavi. Depois, foi a vez da revolução religiosa e cultural promovida pelo Aiatolá Khomeini e drásticas mudanças que a levaram a se mudar para a Europa. Mais tarde, ela retorna ao seu país natal para então se fixar na França. Persépolis acompanha todo esse processo de transformação de Marji e do Irã ao longo de quase três décadas. O olhar que nos guia é o de uma espectadora crítica, privilegiada e que não faz uso de maniqueísmos. Há aqui um resgate histórico, e ao mesmo tempo sentimental, de uma cultura milenar. O filme, assim como o material original, utilizam o humor como um dos fios condutores para analisar os fatos vividos por Marji no Irã e na Europa. Questões políticas, familiares, religiosas, culturais e de direitos humanos pontuam por inteiro essa bela e tocante animação de gente grande. Vencedor de diversos prêmios internacionais, Persépolis é traz boas surpresas e é mais contundente que muitos dramas com atores de carne e osso.
PERSÉPOLIS (Persepolis – França 2007). Direção: Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud. Animação. Duração: 95 minutos. Distribuição: Europa Filmes.