Há obras literárias que muitos consideram infilmáveis. Algo que o cineasta Luiz Fernando Carvalho teima em provar, repetidas vezes, que elas simplesmente não existem. Depois de ter adaptado Lavoura Arcaica, A Pedra do Reino e Capitu chegou a vez de A Paixão Segundo G.H., de Clarice Lispector. O próprio Luiz Fernando escreveu o roteiro, junto com Melina Dalboni, dessa história que passa no Rio de Janeiro, no ano de 1964. Tudo gira em torno da figura do título, uma famosa escultora da elite carioca, vivida pela atriz Maria Fernanda Cândido. Ela acabou de sair de um relacionamento e decide arrumar seu apartamento. No dia anterior sua empregada, Janair (Samira Nancassa), havia pedido demissão. Por conta disso, G.H. inicia o trabalho de arrumação pelo quarto de serviço. Lá ela se depara com uma enorme barata. Diferente do Gregor Samsa kafkaniano, ela não se transforma em um inseto, mas começa aí uma jornada existencial que a faz questionar sua postura e escolhas. Fica evidente pelo que vemos no quarto de Janair que G.H. não era a melhor das patroas. Carvalho tem sua câmera no rosto da atriz principal a maior parte do tempo de projeção. Inclusive em cenas em que ela quebra a quarta parede, ou seja, olha para nós, espectadores. A voz da atriz, narrando ou falando, nos conduz por um fluxo contínuo de pensamentos e emoções verbalizados pela inquietação de uma mulher que se vê diante da urgente necessidade de rever seus próprios conceitos e a maneira como nossa sociedade procura enquadrar as mulheres dentro de um molde pré-definido. A Paixão Segundo G.H. é um filme introspectivo, denso e profundo na abordagem que faz. Não é uma obra fácil, como não é qualquer outra obra de Lispector. E isso, cá entre nós, é muito bom, pois nos provoca o tempo todo. E esse é, sem dúvida, um dos principais objetivos da arte.  

A PAIXÃO SEGUNDO G.H. (Brasil 2023). Direção: Luiz Fernando Carvalho. Elenco: Maria Fernanda Cândido e Samira Nancassa. Duração: 124 minutos. Distribuição: Paris Filmes.