No início de 2019, o cineasta Karim Aïnouz cruzou o Mediterrâneo e foi pela primeira vez à Argélia, terra natal de seu pai. Essa viagem deu origem a dois filmes: Nardjes A. e O Marinheiro das Montanhas, lançados respectivamente em 2020 e 2021. Apesar de ambos lidarem com a herança argelina do diretor, temos aqui uma abordagem bem mais pessoal. Na bagagem, a forte e intensa memória de Iracema, sua mãe. Aïnouz nos conduz nessa jornada íntima onde procura se conectar com o pai, Majid, figura misteriosa e distante com quem não conviveu durante sua infância, adolescência e vida adulta. O destino é a região das Montanhas Altas, em Kabylia, no norte do país. Inteiramente narrado na primeira pessoa, a lente do diretor, ou melhor dizendo seu olhar, é o nosso guia. Na verdade, é mais que isso. Ele compartilha conosco tudo o que vê, ouve, toca, cheira e prova. Em suma, tudo o que sente. Seja com o coração ou com a mente. O roteiro, escrito pelo próprio diretor junto com o curitibano Murilo Hauser, é rico em símbolos poéticos verbalizados por Aïnouz. Sua voz, cadenciada, curiosa e melancólica, nos leva a uma época anterior ao seu nascimento, quando sua mãe conheceu seu pai nos Estados Unidos. O momento político pelo qual passavam Brasil e Argélia em 1964 foi determinante nos rumos que as vidas de Iracema e Majid tomaram. Essas lembranças que o filho do casal não vivenciou se misturam com questões presentes e abrem espaço para expectativas futuras. Esse sentimento, às vezes doce, quase infantil, outras inquieto e temeroso, me envolveu por inteiro. E me fez sentir parte dessa jornada ao mesmo tempo só dele, Karim, mas que passou a ser minha também.
O MARINHEIRO DAS MONTANHAS (Brasil/Argélia/França/Alemanha 2021). Direção: Karim Aïnouz. Documentário. Duração: 95 minutos. Distribuição: Gullane Filmes.