O cineasta dinamarquês Lars von Trier gosta de provocar. No entanto, ele não é do raso. Sua provocação é sempre bem fundamentada. E melhor, sabe como provocar. Em março de 1995, junto com o amigo Thomas Vinterberg, ele assinou o manifesto conhecido como Dogma 95. A proposta, em resumo, era de retorno ao básico em termos de produção cinematográfica. O curioso é que, nos anos seguintes, nem os próprios criadores do documento seguiam mais as regras do movimento. Dogville, que von Trier escreveu e dirigiu em 2003, por exemplo, não tem nada de “dogmático”. A história acontece nos Estados Unidos, durante os anos da Grande Depressão. Grace (Nicole Kidman), foge de um bando de gangsteres e pede refúgio em uma pequena e isolada cidade do interior. Inicialmente, ninguém quer ajudá-la. As coisas mudam por conta da intervenção de Tom (Paul Bettany), que convence os moradores a escondê-la. Em troca do “favor”, Grace se compromete a realizar pequenos trabalhos para a comunidade. Com o passar dos dias, a situação de Grace só piora. Von Trier concebeu Dogville como a primeira parte de uma trilogia sobre a América. Muitos taxaram apressadamente o filme como antiamericano. Existe, sim, uma forte crítica à politica do governo Bush e a uma pequena parcela do povo americano que segue essa cartilha. O filme, de cara, nos incomoda pela ausência completa de cenários. Tudo acontece em um enorme palco onde vemos as ruas e as casas da cidade marcados no chão. Não há paredes nem portas, mas, as personagens agem como se elas existissem. E isso cria um efeito perturbador. Com duração de quase três horas, Dogville é dividido em capítulos e “capricha” no sofrimento e na vingança de sua personagem principal. Algo meio que recorrente na obra de von Trier, que costuma retratar mulheres vítimas de violência. No final, não há meio termo: ou se gosta ou se detesta. Mas, uma coisa é certa, ninguém passa incólume por um legítimo von Trier.
DOGVILLE (Dogville – Dinamarca 2003). Direção: Lars von Trier. Elenco: Nicole Kidman, Paul Bettany, John Hurt, Philip Baker Hall, James Caan, Stellan Skarsgård, Jeremy Davies, Chloë Sevigny, Patricia Clarkson e Ben Gazzara. Duração: 178 minutos. Distribuição: Califórnia.
Respostas de 5
E o mais curioso: não demora muito e nós espectadores igualmente convivemos com este cenário imaginário. Estamos, como as personagens, imersos neste vazio pleno.
um show de interpretação… tema chocante…
Eu estou no time dos que gostam muito desse filme.
eu quanto vi fiquei impressionado… WOWS, o kara foi lá e mostrou que não precisa gastar milhões com efeitos especiais e explosões, o importante é ter bom artistas, bem dirigidos e com um bom roteiro… nem cenário decente o filme tem, mas funciona muito bem. Um marco com certeza.
JOPZ
Não lembrava que a duração do filme chegava perto das 3 horas. Acho que o “jogo” que von Trier faz com o público de ignorar cenários funciona tão bem que a imersão é completa, e acho que cada minuto da experiência vale a pena.
[]s