Após uma bem-sucedida série de documentários relacionados à sua origem ucraniana, iniciada em 2006 com Made in Ucrânia, o cineasta paranaense Guto Pasko nos apresenta agora Entrelinhas, seu primeiro longa-metragem de ficção. E não poderia ser diferente tratar-se de uma história baseada em fatos. O roteiro, escrito pelo próprio Guto, ao lado de Tiago Lipka e Rafael Monteiro, nos revela o ocorrido com Ana Beatriz Fortes (Gabriela Freire), no ano de 1970, em Curitiba, quando ela, então com 18 anos, foi detida pela ditadura militar. Sob a acusação de pertencer à guerrilha armada VAR-Palmares, Bia foi presa e torturada por dez dias pelo Exército brasileiro. A partir de uma rigorosa reconstituição de época, Entrelinhas nos traz mais um dos muitos relatos desse período nefasto de nossa história recente. A descida ao inferno experimentada por Ana Beatriz nas mãos de seus algozes, o oficial torturador Marcos (Leandro Daniel) e o tenente Borges (Daniel Chagas), é forte e bastante representativa das atrocidades cometidas naqueles anos de chumbo. Apesar de passados mais de 50 anos, é impossível não traçar paralelo com eventos de nosso presente e o diretor o faz de maneira às vezes sutil, outras explícitas, seja por diálogos ou imagens mostradas na obra. É interessante perceber a coincidência de termos simultaneamente no Brasil os lançamentos em 2024 de títulos que abordam os abusos perpetrados em nome de um bem maior para sociedade da época. Filmes como Entrelinhas, junto de O Mensageiro, de Lúcia Murat, e Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, servem de alerta para que passagens tristes como essas não se repitam mais.
ENTRELINHAS (Brasil 2023). Direção: Guto Pasko. Elenco: Gabriela Freire, Leandro Daniel, Daniel Chagas, Eduardo Borelli, Renet Lyon, Patrícia Saravy, Mauro Zanata, Lais Cristina, Carlos Vilas Boas, Leonardo Goulart e Richard Rebelo. Duração: 95 minutos. Distribuição: Elo Studios.