Existem histórias que são tão incríveis que caso fossem escritas por um autor de ficção seriam consideradas fantasiosas demais. Dizem que a vida imita a arte. É possível sim, em muitos casos. Mas existem alguns casos reais que superam as melhores ficções. Em 6 de setembro de 1770, uma mulher negra escravizada de nome Esperança Garcia, escreveu uma carta ao então governador da Capitania de São José do Piauí denunciando os abusos sofridos nas mãos de seu dono. Essa história nos é contada no contundente documentário A Carta de Esperança Garcia, de Douglas Machado. Mediado pela atriz Zezé Motta, o filme é dividido em quatro atos que abordam a realidade dos negros e negras no presente e a relação com um passado de lutas por direitos civis e contra o racismo. Outras cinco mulheres ao lado de Zezé Motta traçam um paralelo histórico desses desafios e conquistas: Tina Ribeiro, Chiara Sousa, Catarina Santos, Luíza Miranda e Regina Sousa, a primeira governadora do Piauí e também a primeira mulher negra governadora do Brasil. A decisão de ter seis mulheres não foi por acaso. Na verdade, trata-se de uma referência ao dia em que a carta foi escrita. O olhar humanista do diretor se faz presente, mas é generoso em deixar que essas mulheres fortes conduzam a narrativa. Para tanto, disse Douglas: “fizemos uma oficina com essas mulheres antes e entregamos um celular de alta resolução para cada uma delas para que, no decorrer do filme, houvesse uma participação delas próprias produzindo imagens dos quilombos e do que era importante para elas. O material foi muito volumoso e para não ficar muito confuso na roupagem do arco narrativo, a gente terminou centrando no material da Chitara Sousa, que foi quem mais produziu”. Por fim, o documento escrito por Esperança Garcia foi encontrado pelo antropólogo baiano Luiz Mott, em 1979, no Arquivo Público do Piauí. Em 2022, o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reconheceu Esperança Garcia como a primeira advogada do Brasil e sua carta é, com merecidíssima justiça, um símbolo da resistência negra brasileira.
A CARTA DE ESPERANÇA GARCIA (Brasil 2024). Direção: Douglas Machado. Documentário. Duração: 105 minutos. Distribuição: Trinca Filmes.