Arte é sinônimo de beleza, cultura e encantamento. Mas arte também pode ser sinônimo de resistência. E em tempos ou lugares onde ela não é respeitada nem valorizada, torna-se imprescindível fazer uso da arte para resistir. É assim que a personagem de Marcélia Cartaxo se revela em Pacarrete, longa de estreia do diretor e roteirista cearense Allan Deberton, que divide aqui a escrita do roteiro com André Araújo, Samuel Brasileiro e Natália Maia. A história gira em torno de uma professora de dança aposentada que dá título ao filme. Ela vive na pequena cidade de Russas, no interior do Ceará, com sua irmã Chiquinha (Zezita Matos). Defensora da “grande arte”, ela está sempre em confronto com os moradores que insistem em passar por sua calçada, que ela constantemente limpa. Seu grande sonho é apresentar um espetáculo de balé na festa de aniversário de 200 anos do município. Tratada como a “maluquinha” do local, ela tem em Miguel (João Miguel), o dono da mercearia, a única pessoa que parece compreendê-la. Temos em Pacarrete uma obra agridoce que transita pelo pantanoso terreno da mistura de gêneros e tons que vão do sonho ao pesadelo. Marcélia Cartaxo se destaca em um elenco que merece aplauso por inteiro e cria uma inusitada ponte com a Macabéa de A Hora da Estrela, seu filme de estreia, ao dar vida a uma mulher que poderia ter sido uma evolução de seu primeiro trabalho no cinema. Apesar de o filme tomar um rumo completamente inesperado (pelo menos para mim), em seu terço final, isso não tira seus méritos. Pacarrete foi o grande vencedor do Festival de Cinema de Gramado de 2019, onde conquistou sete Kikitos nas categorias de filme, diretor, atriz, roteiro, atriz coadjuvante, ator coadjuvante, edição de som, além do prêmio da audiência de melhor filme.

PACARRETE (Brasil 2019). Direção: Allan Deberton. Elenco: Marcélia Cartaxo, Zezita Matos, Soia Lira, João Miguel, Débora Ingrid e Samya De Lavor. Duração: 97 minutos. Distribuição: Vitrine Filmes.