“Fale de sua aldeia e estará falando do mundo”. Essa frase de Leon Tolstoi se aplica à perfeição ao documentário Retratos Fantasmas, do cineasta Kleber Mendonça Filho. Foram sete anos de pesquisa, ou melhor dizendo, uma viagem ao passado do diretor e de sua Recife natal. A memória e o passar do tempo se entrelaçam incondicionalmente com espaços arquitetônicos que têm o cinema e suas salas de exibição de rua como fio condutor. Kleber nos conduz por essa rica jornada partindo de sua própria casa, onde realizou muitos de seus trabalhos audiovisuais, de lá saindo para o bairro do Setúbal e o centro da cidade onde nasceu, cresceu, amou e viveu a sétima arte. Primeiro de forma íntima e pessoal. Depois, seguindo para o externo e coletivo. Assistindo ao filme vi o cineasta abrir seu mundo por inteiro, nos guiando nesse mergulho ao passado com sua voz calma, suave, reflexiva, melancólica e cheia de emoção. Também me reconheci na tela, ao revivenciar minhas próprias lembranças das muitas viagens que fiz à capital pernambucana em minha adolescência. Retratos Fantasmas me levou outra vez ao percurso que cansei de fazer a pé pelos cinemas de rua do Recife. Minha caminhada começava no Moderno, passava pelo Art Palácio e o Trianon, atravessava a ponte e chegava ao São Luiz e de lá seguia pro Veneza. A praça Joaquim Nabuco e as ruas da Palma, Aurora e do Hospício faziam parte de minha rotina diária recifense, que começava logo depois do almoço e ia até perto da meia-noite. “Filmes de ficção são os melhores documentários”. Essa frase, dita a certa altura da viagem afetivo-emocional, apesar de paradoxal, está na essência de Retratos Fantasmas. Eu, assim como Kleber, meu irmão Douglas e muitos outros cinéfilos que conheço, tive meu caráter moldado por cinemas de rua. Espaços públicos que deixaram de existir em inúmeras cidades por uma série de razões. Quase todas injustificadas. Filmes assim são importantes pois resgatam histórias como a do projecionista Alexandre; do edifício onde as distribuidoras de filmes operavam; sem esquecer das pessoas responsáveis por colocar os letreiros nas marquises dos cinemas. Como diria o próprio Kleber, e eu endosso com vigor: Retratos Fantasmas é massa!
RETRATOS FANTASMAS (Brasil 2023). Direção: Kleber Mendonça Filho. Documentário. Duração: 93 minutos. Distribuição: Vitrine Filmes.